sábado, 12 de março de 2022

Whisky com gelo

O vento frio entrou acompanhada dele. Homem de meia idade, algumas falhas no couro cabeludo, terno bem cortado, gravada de linho tão brilhante quanto o balcão no começo da noite. Conforme me aproximei para atendê-lo pude notar o olhar, ele me esquadrinhou inteira. Talvez eu devesse deixar um botão a mais aberto na camisa para vir uma gorjeta maior, como me sugeriu uma das garçonetes que tinha mais tempo de casa. Amanhã, na frente do espelho, eu penso nisso.

- Boa noite - Sempre fui um pouco avessa à interações com o público, talvez essa experiência fosse boa para resolver isso - O que vai querer hoje?

- Um whisky, três pedras de gelo.

- Perfeitamente!

Deixei o sr. Whisky sozinho no balcão enquanto ele me seguiu com os olhos, estava interessado em mim ou na qualidade do destilado? Como não foi feita menção sobre qual a origem da bebida, optei pelo do Tennessee, mais barato e que ajudava a casa a lucrar mais, se viesse de Terras Altas Escocesas o drinque custaria facilmente o dobro. O sr. Whisky vai me agradecer no final da noite quando vier a comanda abaixo do que ele espera. Uma. Duas. Três pedras de gelo. Colherzinha de plástico preto para mexer. Guardanapo por baixo do copo e voila.

Um agradecimento com uma inclinação para a direita com, não mais que trinta graus se fez juntamente com um sorriso. Junto do sorriso minha visão foi atraída pelo anel dourado. Um gole curto e o semblante antes esbranquiçado fez o rosto do sr. Whisky ganhar vida. Rodando a banqueta para a pista ele parecia procurar alguém. Duvido muito que seja a sra. Whisky. Mas não vou julgar. Eu sou só a... barwoman? Termo ridículo. Bartender soa mais bonito e acho que era o que veio no meu diploma de mixologia. Mais um gole na bebida. Dessa vez um pouco mais demorado. Ele parecia ter encontrado quem buscava. A péssima iluminação da casa tinha por objetivo fazer com que as pessoas não se vissem completamente tendo que vir até o bar para ter um pouco de silêncio, luz e, de quebra, uma bebida. Muito perspicaz quem pensou nisso.

- Você namora, minha jovem? - O baixo movimento me fez ficar próxima o suficiente de Sr. Whisky a ponto de poder ouvi-lo alto e claro - Quer dizer, isso não é da minha conta.

- Sem problemas - Sorri de canto, quem sabe ele peça mais uma ou duas ou três doses, minha gorjeta é sempre maior - Não, não namoro, na verdade moro nesse lado da cidade tem pouco tempo.

- É? - Ele terminou o primeiro drinque - E morava onde antes?

- Zona Oeste - Uma olhada rápida para o copo onde os gelos derretiam solitários - Mais um?

- Boa pedida, mais um - Enquanto preparava mais uma dose Sr. Whisky voltava a olhar para a pista de forma saudosista - Se eu tivesse dois casamentos, três filhos e uns trinta anos a menos eu estaria ali no meio.

- A pista não vê idade - Servi a bebida - Além do mais, hoje em dia não há mais diferenças entre as gerações.

- De certa forma você está certa - Ele bebeu um gole farto, segurando a bebida dentro da boca alguns instantes - Mas hoje é só o drinque mesmo, não consigo entender essa música de hoje.

- Nem nós entendemos.

Rimos enquanto sr. Whisky bebia mais um gole. A julgar pelo anel devia estar casado no segundo casamento. Três filhos, dois do primeiro casamento, provavelmente adolescentes e um do casamento atual, usado para criar um vínculo para manter o casal unido. Provavelmente na casa dos cinquenta, talvez cinquenta e cinco, não mais que isso. Provavelmente trabalhava em uma das transnacionais que ficavam no bairro vizinho. O salário do mês dele deveria ser o meu do ano. Mérito dele, escolheu um curso melhor que psicologia e mixologia. O último gole foi bebido de forma integral, uma das pedras de gelo não voltou ao copo. Uma nota de cinquenta reais saiu do bolso dele parando dobrada ao lado do copo com um sorriso fino e uma piscada. Sr. Whisky generoso. As duas doses de bebida deveriam sair pouco mais que o valor da gorjeta. Tão logo parou em meu balcão saiu, levando consigo o vento frio.

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