sábado, 19 de março de 2022

Margarita

Em noite de DJ renomado tipos mundanos invadiam a casa. A maioria interessado em pegar aquela bebida pronta dentro de uma garrafa long neck. Não me importava tanto, porém a tendência a terminar a noite completamente entediada me assombrou até aparecer a loira de verde. Parou no balcão, fez uma careta olhando as garrafas atrás de mim, ponderou um instante, teve o rosto iluminado pelo telefone. Será que ela esperava por alguém? Não era raro um casal dar amassos na quina da longa prancha de madeira tratada e com o nome do PUB escrito com um pirografo. A tela apagou antes que pudesse ver qualquer traço diferente no rosto, pareceu mais uma pessoa comum que espera outra pessoa comum.

O peito se inflou e a correntinha de material dourado - ouro? - foi atingida pelo spot de luz que ficava pouco além do balcão. Voltando a olhar para as garrafas atrás de mim e terminando a inspeção me chamou erguendo a ponta do indicador esquerdo. Unha pintada de rosa. Meio fora de moda acho.


- Boa noite - Voz doce, bonita mesmo, será que ela trabalhava em rádio, locução ou algo assim? - Quero uma Margarita.


- Perfeitamente.

Um dos primeiros drinques que tomei na vida. Pelo menos desses mais elaborados. Sal. Limão. Tequila mexicana. Com maestria de quem já fez mais de uma centena delas em meu pouco tempo na casa fiz uma fatia fina de limão adornar a lateral do copo. Uma rápida inspeção mental. Nenhum ingrediente faltando. Quase quis tomar uma, mas é como sempre ouvi: onde se faz o pão não se come a carne. Pensando bem esse ditado deveria ser algo relativo a romances no trabalho. Porém... uma bebida não pode ser a paixão da bartender? Devaneios.

Servi à dona Margarita seu drinque. Ela me agradeceu com um sorriso, erguendo a taça como quem brinda e bebendo um gole curto. O celular voltou para a mão. Luz. Olhos rápidos. Narinas abrindo e fechando rapidamente. Estaria ela hiperventilando? Talvez estivesse com raiva. Descrente do que lia na tela do diminuto aparelho. Será que esse balcão teria sua integridade posta à prova contra o smartphone? Tomara que não. Um gole tão curto que arrisco dizer que só umedeceu os lábios. Digitação frenética. Outro cliente aparece. Cerveja. Entrego rápido, já sem a tampa e colocando na sua comanda mais uma. Era a quinta da noite. De volta à Dona Margarita. O semblante mudou rápido. Usando o espelho que ficava atrás das garrafas ela passou as mãos pelo cabelo. Nervosa sua visão procurava algo. Me chamou.

- Pode me dar uma opinião sincera?

- Claro - Não seria a primeira vez e, espero, que não fosse a última que eu era convidada a opinar em algo - Pois não?

- Então - Lá vinha uma bomba psicológica, dona Margarita tinha sido demitida, batido o carro e terminado um relacionamento de três anos e agora queria um ombro amigo para derramar suas mágoas, respirei fundo no instante da primeira frase dela me preparando para ampará-la caso fosse necessário, será que eu ainda tinha alguma cota de bebida por conta da casa essa semana? Calma, vamos ver qual é a história triste dela e opinar da maneira mais honesta e não ofensiva que fosse possível, Margarita afastou os lábios puxando ar corpo adentro, soltando em seguida para se debruçar no balcão se aproximando, era agora, a hora do grande acontecimento que a trouxe até aqui - Minha maquiagem ta boa?

Decepção. Toda uma construção psicológica foi por água abaixo com uma pergunta tão banal quanto o drinque que ela bebia. Puta merda. Já vi que hoje o dia não reserva grandes aventuras. Fiz o tradicional gesto humano de que estava tudo bem com o polegar erguido e o sorriso mais sincero que eu tinha em meu repertório. Por sorte - ou destino - um casal veio buscar mais cerveja. Enquanto eles tomavam a garrafa nas mãos coloquei a décima primeira bebida na comanda. Enquanto isso Margarita sorriu olhando para o telefone para, logo em seguida, pousá-lo no balcão. Um homem de idade aparentemente próxima da dela se aproximou. Camisa de cor clara, com botões, calça escura, paletó escuro sentou ao lado dele. Seria um encontro desses aplicativos que os jovens usavam para conseguir uma transa? Pode ser. Tomara que Margarita não entre na estatística da violência urbana. Ele pediu o mesmo drinque dela. O casal Margarita. Beberam conversando, foram para a pista e lá ficaram por muito tempo, dezenas de cervejas depois ele passou pelo bar. Banheiro. Saída. Dez minutos depois ela fez o mesmo, não sem antes parar e me agradecer pela ajuda mais cedo. Era a hora que deveria vir uma boa gorjeta. Mas a noite estava tão frustrante que nem isso aconteceu. Desejei uma boa noite e fiz votos para que ela voltasse, afinal, o renomado DJ teria mais duas noites na casa antes de voltar à sua turnê pelo litoral. Margarita disse que voltaria. Espero que sim.

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