domingo, 27 de julho de 2014

Noite de Sábado

Podia ser mais uma noite tranquila. Mas não. A vizinha do andar de cima caminhava com aquele salto pra um lado e pro outro. Será que minhas macumbas deram certo e ela estava com uma puta diarréia? Só que acho que não devia ter usado farofa de mercado, a diarréia veio, mas o salto era pra me castigar por usar produto barato no serviço. Do outro lado a vizinha gótica do apartamento do lado ouvia aquele rock melódico, extremamente afinado e gostoso de ouvir, porém não às três horas da manhã. A vizinha crente do outro lado deixava naquelas rádios de exorcismo enquanto transava descontroladamente com o primeiro macho que achou na rua. Essas noites de sábado nesse muquifo eram cada vez piores. Ainda se eu tivesse algum no bolso pra tocar o terror em algum puteiro próximo, mas estava mais duro que pão dormido, claro que podia colocar a farda e conseguir algum fingindo blitz falsa, mas, desde aquele incidente eu não consegui mais ser exatamente como era. Fui na janela, acendi um cigarro e o joguei fora depois da primeira tragada, chega dessa porcaria na vida.

Tinha de sair dessa vida. Embora fosse confortavel, podia ir e vir da corporação a pé e alguns vizinhos ainda me respeitavam. Respeitavam o "puliça". Outros vizinhos me ignoravam, eram educados nos raros momentos de convivência, fora isso cagavam pra minha existência assim como eu cagava pra deles. E, os maconheiros do quatrocentos e vinte fugiam ao me ouvir. Era melhor mesmo, se eu pegasse daria uma coça tão grande neles que iam entrar até na igreja.

Aquela garota, Helena, me fez repensar muitas coisas na vida. Parar de fumar era uma delas. E olha que só ficamos juntos o quê? Umas três ou quatro horas. Mas foi o suficiente pra eu me pegar pensando e não apenas reagindo a tudo. Podia ir a cada um dos apartamentos resolver isso, pedir pra vizinha de cima tirar os cascos, dizer pra crente do lado que ela devia procurar a igreja e se tratar depois dizer pra gótica que, ao contrario dela, muita gente aqui precisava dormir. Quem sabe convidasse a gótica pra sair. Quer dizer, não hoje, amanhã tinha que trabalhar. Doze horas trabalhando e mais doze fazendo hora extra, me sobravam vinte e quatro de folga, seria uma boa sair com a gótica e esquecer um pouco aquela desgraçada da minha ex. Pensar nela me trouxe minha amiga cefaléia. Fui até a cozinha.

Abri a geladeira, peguei a vodka e uma aspirina. Não lembro porque guardava remédio na geladeira. Tirei a tampa da vodka e engoli a aspirina. Fechei tudo e fui pra cama. Tinha de descançar um pouco que fosse e da forma que fosse. Durante a ronda passaria em alguma banca e compraria o jornal procurando outro apartamento dentro das minhas possibilidades financeiras e próximo da corporação.

Deitado esperando o efeito dos "remédios" o teto parecia querer cair com os cascos da vaca misturado com o exorcismo e a voz da Simone Simons. Formigas. Lembrei o motivo do remédio na geladeira. Na geladeira era o único lugar que elas não entravam. Antes de pegar no sono lembro de ter saído na janela e dado dois tiros pro alto e ouvir o silêncio se fixar. Talvez nem tenha feito isso realmente. Ou talvez tenha.

terça-feira, 8 de julho de 2014

A Copa das Copas

No começo da copa comprei uma bandeira grande e coloquei lá em cima, na laje. Veio a chuva forte, entortou o mastro que eu estava usando (um trilho velho de cortina) o quê me fez tirar a bandeira e achar um mastro mais forte (outro trilho de cortina, mas, dessa vez, com um cabo de vassoura dentro) e coloca-la de volta a tremular com o vento. Ou, como eu gosto de dizer "a bandeira sendo desfraldada pelo vento". Nas ruas todas as casas tinham uma bandeira do Brasil, todas as lojas tinham uma bandeira do Brasil. Alguns até pintaram ruas, cobriram o capô dos carros com bandeiras. E o quê era aquele hino? Eu devo admitir que me emocionava ao ouvi aquele coral imenso cantando o hino junto.

O hino devo admitir que é um caso a parte, uma história a parte pra mim. Sempre achei lindo o hino nacional. Minto, não só o nacional: todos os hinos, fosse o da Marinha, da Independência, da Bandeira, todos eles. A primeira vez que me emocionei com o hino foi alguns anos atrás, quando tive a incrivel oportunidade de ver a banda da Marinha Brasileira tocar ele e, em seguida, o hino da Marinha (aquele do "qual cisne branco que em noite de lua, vai navegando num lago azul..."). Admito, fui as lágrimas cantando junto com o coral. E agora, na copa, no Brasil. Véi, no primeiro jogo eu fechei os olhos, no jogo seguinte eu fiquei de olhos marejados. Devem me achar meio idiota por gostar dessas coisas. De ser patriota.

Oras. Temos por base achar "lindo" tudo que vem dos Estados Unidos e lá eles colocam a bandeira nacional nas varandas, cantam o hino TODOS os dias antes da aula, antes de eventos. Quem já assistiu as 500 Milhas de Indianápolis sabe do que eu falo, 300 mil pessoas de pé cantando o hino de seu país! E quem é de fora quietinho, só admirando. Mas brasileiro só gosta de copiar o quê é feio. Só copiamos a baixaria, os programas de televisão, a "cultura" pobre. Por que não copiamos isso também? Temos uma cultura riquíssima. Milhares de músicos Brasil afora cantando músicas em nossa língua, diversos autores lançando mensalmente centenas de livros de uma qualidade riquíssima e o quê valorizamos? O quê vem de fora. A mídia costuma dizer que temos uma cultura incrivel e bla bla bla. A Argentina (que ganhou duas copas) já ganhou um Oscar, o Uruguai (que também já ganhou duas copas) também. O Chile (que não ganhou copa nenhuma) já ganhou, pasme, um Nobel de literatura! Tudo bem, o futebol (e esporte duma forma geral) é importante. Mas a cultura também é. Mas a cultura ensina o povo a pensar, e isso não é bom pra grande mídia brasileira... porém não vou ficar falando de mídia.

Eu venho de um tempo em que se cantava o hino toda semana e, na semana da pátria se cantava todo os dias intercalando com o hino do município e o hino da bandeira! E se eu falar que nem faz tanto tempo assim? Não tem 20 anos. Não vou fazer discurso político ou coisa que o valha, não é lugar disso aqui. Mas, voltando ao hoje, depois do jogo fui lá na rua ver o movimento... todos que passavam por mim tinham um ar de velório. E eu entendo isso. Entendo sim. Quando meu Corinthians caiu pra série B do brasileirão eu senti esse tipo de dor. Esse tipo de comoção. Mas não deixei de ser corinthiano um só minuto, pelo contrario: no dia seguinte eu saí na rua com a camisa do Corinthians de orgulho. A derrota foi feia? Foi, horrivel. Nunca vi um time jogar tão mal assim na vida inteira, sério. Mas e daí? Tirando quem apostou muito dinheiro em bolão a vida do resto do mundo não muda. Os jogadores continuam ricos, a população continua tendo que se virar. A vida continua.

Comecei falando da bandeira, não é? Pois é, enquanto meus vizinhos, muito provavelmente, vão tirar as bandeiras eu vou deixar a minha lá. Tremulando e demonstrando o meu orgulho de ser brasileiro. Corrupção todo lugar tem. Violência todo lugar tem. Pobreza todo lugar tem. Não posso fazer quase nada pra ajudar outros países, mas o meu país eu posso fazer muita coisa. Posso eleger quem julgo ser mais honesto, posso não furar fila, posso não jogar lixo no chão. Infelizmente no Brasil ainda reina a hipocrisia... mas, isso fica pra outro dia. Hoje vou cantar a plenos pulmões "Dentre outras mil és tu, Brasil, ó pátria amada, dos filhos deste solo és mãe gentil, pátria amada, Brasil".