terça-feira, 31 de maio de 2016

Álibi e5s2: Merda

Agora ela tinha passado de todos os limites aceitáveis. Aquela vadia ia pagar caro por ter invadido meu apartamento, bagunçado tudo e ainda por cima querer marcar um encontro. Sophia não sabia o que tinha plantado quando entrou aqui. E o notebook? Merda. Por que diabos ela deixou a porra do notebook? Pior: Por que eu fiquei entretido com as informações que tinha nele e esqueci da minha pizza? Se bem que o ketchup picante resolvia bem e pizza fria não era de todo ruim.

O molho respingou no canto do teclado enquanto eu buscava qualquer coisa útil pra levar aquela desgraçada pra justiça. Ou pra vala. Tanto faz. A porra é que ela me fez ir até lá embaixo e falar com aquele velhote que cuida da portaria essa hora da madrugada. Ele não era mal funcionário, longe disso, mas ele era tão surdo quanto a porta. Por isso ele não ouviu a hora que perguntei das câmeras de segurança do elevador. Não podia culpar a pessoa errada. O palavrão foi mais forte que eu quando descobri que: Primeiro: essa bosta de prédio só tem câmeras dentro do elevador. Segundo: A Sophia usou as escadas, ela sempre teve uma certa fobia de elevador. Tanta coisa pra ter medo e vai ter medo logo de uma... okay, era uma caixa fechada, sem janelas, que se movia e o sistema de pedir socorro nunca funcionava direito.

Enquanto fuçava descobri que ela não havia começado a fazer o que fez aqui. Aliás, sempre quis ver o que tinha nesse notebook, desde quando a gente resolveu morar juntos, meses atrás. Nada demais. Muitos artigos de leis - que eram justificados por ela fazer faculdade de direito. Muitas fotos do passado no que parece ser o sul - que é de onde ela diz ter vindo. Muitas buscas sobre hotéis, pousadas, hosteis em vários lugares do país - perfeitamente aceitável de pensar que ela estava em fuga e que ela fez das suas em outras cidades pequenas. E em um arquivo com meu nome, uma pequena mensagem.

"Encontrou o que procurava, Sérgio? Cansei de fugir. Venha me encontrar na rua Fernando Pessoa, 3340 depois de amanhã, no fim da noite. Vamos resolver todas as nossas pendências. Não preciso pedir que venha sozinho, porque sei que virá. Não precisa trazer o notebook, depois eu passo aí pegar. Com amor, Soph."

Confesso. Minha vontade foi estourar o notebook da Sophia na parede. Ela era petulante. Petulante ao ponto de que eu me sentia desafiado. No arquivo tinha a data do encontro. Provavelmente cega pela vingança ela não tinha notado que só ia ter a chance de vir aqui no dia seguinte. Ou será que ela me queria lá depois de amanhã? Tanto faz. Amanhã era meu dia de folga, então não custava nada passar lá e, se não tivesse ninguém passaria no dia seguinte dizendo que tinha recebido uma pista de algo. Se não fosse verdade ou o endereço estivesse errado ganharia meio dia de folga. Comi mais dois pedaços de pizza gelada pensando em como resolver e preparando os pentes de munição. Três pentes de vinte e um tiros deviam dar pro que planejava. Ou presa, ou no saco preto. Ela só tinha essas opções.

Tentei dormir um pouco. Mas o máximo que consegui foram pequenos cochilos intercalados por pesadelos que me despertavam e me faziam acordar com a arma em punho. Numa dessas acordadas cheguei a dar um tiro na janela que dava para a rua. Por sorte - ou cagada mesmo - ninguém estava no caminho. O vizinho do lado interfonou perguntando do tiro, falei que estava jogando com o volume alto, pedi desculpas e passei a dormir com a arma debaixo do travesseiro, não sobre o peito. Depois de duas dúzias de sonos com meia hora dormi o resto do dia. Ao fim deles chequei todo o equipamento e liquidei a pizza. Bebi um gole de vodka pura. Perfeito.

Segui de taxi para o endereço indicado, pois se qualquer uma das minhas opções acontecesse eu precisaria deixar meu carro no lugar e seguir com uma viatura. E de acordo com o site de mapas e com o conhecimento do Peçanha, o bairro ali era barra pesada. Por isso evitei ir com o meu carro. Um taxi me levava lá e pronto. Claro que iria sair uma bela facada. Por isso, ao invés do tradicional taxi, preferi aquele aplicativo que todos diziam ser mais em conta. No fim da corrida pareceu mais em conta mesmo. O lugar parecia aqueles depósitos velhos de filme americano onde os ladrões formulavam um plano de assalto ao banco.

Assim que passei pela pilha de carros desmontados reduzidos à carcaças, desviando de peças soltas no chão que, se eu trombasse, podiam fazer algum barulho. Mas o calçado fazia um pouco de barulho nesse chão de concreto armado. Merda. Devia ter ou vindo com aquele tênis de corrida que tinha pago os olhos da cara, ou entrado de meias. Depois de chegar no grande salão do depósito pude ver Sophia parada. Desarmada. Só com um pequeno controle parecido com o de alarme de carro nas mãos. E eu com a pistola na parte de trás da calça. Ela não parecia querer fugir. Por isso deixei que ela falasse primeiro. Não veio aqueles clichês de história triste, de abuso infantil que justificasse o que ela fez. Ela só começou a fazer o que fazia porque deu vontade. Só isso. Depois foi minha vez de falar. Porém minha fala foi interrompida por um estalo. Um barulho forte vindo do lugar onde eu havia acabado de passar veio acompanhado do cheiro de pólvora. Merda.

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