sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Réquiem

Depois daquela carta tudo pareceu se aquietar dentro dele. Era o Tempo se fazendo presente. Nem mesmo depois de um final de semana de sorrisos com a prima que não morava longe, agora, quando o termometro estacionava na casa dos oito graus a casa parecia fria. Por mais cobertores que colocasse sobre a cama o frio não dissipava. Algumas mensagens de texto na quarta-feira de futebol na TV foram, talvez, a pá de cal que tudo aquilo precisava. Não houve o adeus antes, não havia o adeus agora e não haveria o adeus nunca. Embora sempre tivesse ouvido o cliche de "nunca diga nunca" achava ele ridiculo ao ponto de, se encontrasse o autor dessa frase, diria algumas boas verdades a ele.

Era fim de tarde. O sol se afastava para o Japão. A chaleira anunciava a água quente. Uma blusa velha por cima dos ombros, calça de moletom - dessas mais surradas - e, claro, chinelos de dedo com o adendo de meias nos pés. Preparou o mate. Nunca entendeu o motivo para as pessoas dessa região gostarem tanto disso, pensava assim até vir morar ali e ter contato com isso. Agora bebia aquilo nos finais de tarde. Às vezes acompanhado da prima, às vezes acompanhado de algum colega do trabalho, às vezes acompanhado del... não. Com ela nunca havia apreciado o bom amargo.

Preparou a erva na cuia, a água na garrafa termica, quando se preparava para se sentar frente à máquina para tocar algum velho projeto viu aquela caixa na garagem. Ainda haviam várias caixas para desfazer e algumas que nunca seriam desfeitas pela falta de espaço na casa. Abriu uma das abas: seus velhos discos de vinil e uma vitrola dessas mais recentes, que tinham saída RCA e podiam ir como auxiliar em aparelhos de som novos. O home theater ganhou uma compania na sala, a velha vitrola gradiente que ainda funcionava. Resolveu ver na caixa os discos.

Legião Urbana, RPM, Roberto Carlos, Black Sabbat... haviam vários discos variados. Junção das coleções dos discos de seu pai, de sua mãe e os que havia comprado em sebos. Engenheiros do Hawaii haviam vários. Olhou um, outro, resolveu por um na vitrola afim de ver se o som dela ainda era bom. Passou um pequeno pedaço de algodão na agulha. Tirou o pó da tampa. Perfeito. Aquele ranger baixo dos pequenos grãos de poeira arrastados pela agulha amplificando cada canal microscópico do velho vinil. Lembrava-se que tinha quase todas essas músicas em CDs, MP3, alguns até em DVD. Mas o som não se comparava ao vinil.

Havia algo na voz daquele cara, Gessinger era o nome, alguma coisa nas letras tão dele. No íntimo ele sabia que aquele compositor havia composto para ele proprio. Se sentou no sofá, casa escura a cuia na mão bebericando lentamente o mate amargo. Checou o celular. Não haviam mais compromissos, não havia mais uma agenda. Pensou em ligar... não. Foi quando a água na garrafa termica estava se acabando que o vinil apontou outra faixa. Aquela que finalizava o lado A do disco. O coração dele parou ouvindo. Ao terminar a casa manteve as notas finais ecoando pela casa por mais dois ou três segundos misturado ao som da agulha rodando até o fim do vinil e batendo no ponto final dando um suave clique, até que tudo silenciou.

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