sábado, 25 de agosto de 2018

Cais

Fechou os olhos, abriu os braços e sentiu o vento gelado lhe atravessar o corpo. Sorriu abrindo os olhos lentamente. Janaína havia feito as pazes com o mar. Esse mar não era o seu, mas afinal, como algo que não para de se mover vai ser de alguém? As moléculas de água do mar podiam até ser diferentes, mas o mar como uma quase instituição planetária era o mesmo.

Agora começava uma etapa nova na vida dela. Aquela faculdade que lhe prendia acabou. Era hora de botar a cara, nadar de braçadas. Sabia do seu talento. Sabia de suas capacidades. E agora, diante do mar, se sentiu livre. Livre como não se sentia faziam anos. Anos com correntes nos pés. Nos braços. No corpo todo. Aquele vento gelado que afastou qualquer turista da praia dizia que aquele momento era só dela. Moldado no âmago do oceano, misturado no alto das nuvens, aquecido pelo sol da manhã. Tudo para fazer as pazes com Janaína. O sorriso era o acordo de paz selado.

Tirou as sandálias e caminhou pela areia fina, depois mais grossa e, por fim dura da praia. Esperou uma marola vir e molhou os pés. Ao longe um único pescador no lado esquerdo brigava com a rebentação em busca de um belo peixe para o jantar. Se bem que peixes da rebentação não sejam lá muito grandes. Janaína sorriu o olhando. Entreteu-se. Em seguida olhou para a direita. Cais. Barcos parados. Apenas ela. Resolveu caminhar até o cais.

Os passos ora com água cobrindo-lhe os pés, ora com os pés na areia dura se dirigiram ao pequeno cais que avançava não mais que duas dezenas de metros mar adentro. Sem muito esforço subiu na estrutura e caminhou até a ponta. Sempre dando umas olhadas para trás temendo que fosse proibido estar ali. Ao chegar na ponta sentou-se. Bolsa de um lado, sandálias do outro. Se permitiu chorar vendo, ouvindo, sentindo o mar. Era o fim de uma guerra que durou tempo demais. Quando as lágrimas cessaram ela viu o céu ficando azul, o calor - ainda que tímido - surgindo. Foi quando ouviu passos no tablado de madeira atrás de si.

Queria se virar. Devia se virar. Mas não o fez. Os passos cessaram. Pararam ao lado direito dela e se sentaram na beira do cais.

- Soube que gosta de torresmo.

Era ele. Aquele do carnaval. Trocaram não mais do que vinte palavras nos dias que se seguiram. Não eram adeptos de conversar pela tecnologia. Ele trazia consigo um pacote de salgadinho sabor bacon e um refrigerante gelado. Janaína sorriu ao vê-lo, o convidou para sentar, colocou as sandálias do mesmo lado da bolsa e ele se sentou. Ficaram calados alguns instantes, como se fizessem uma oração juntos. Ao fim disso se entreolharam e começaram a conversar. Não cabe a mim, como narrador, descrever toda a conversa, mas falavam da Lua, do mar, do salgadinho, do pescador solitário, do vento gelado. Quando, enfim, tocaram as mãos, as sombras se uniram. Se tornaram uma. Agora a paz estava completa. 

Janaína acordou com o sol na cara. Olhou em volta. O pescador estava lá. Mas e ele? Foi embora sem se despedir? Fechou os olhos um instante e sentiu-o por perto. Havia entendido o que aconteceu. Se levantou. Sorriu. Agradeceu.

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