sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Moeda

Chicago, 1953.

A Grande Depressão ainda assolava a grande cidade do centro-oeste norte-americano. Se for citar os efeitos da segunda guerra então a massa de prédios estava fadada a sucumbir frente ao seu próprio tamanho, tal qual uma estrela super-nova se destrói primeiro numa expansão muito acima do seu normal e depois numa constrição tão rápida que acaba por colapsar todo o sistema tornando a estrela ou uma estrela anã ou um buraco negro. E era assim que Joe Stone via a cidade caminhar: na direção de se tornar um imenso buraco negro onde nada que entrasse saía, não inteiro, mas sim deformado. 

Como bom jogador que era gostava de dar à sorte seu próximo passo: cara iria embora dessa pocilga, coroa ficaria aqui. Sem muita esperança arremessou a moeda ao ar. Enquanto o pequeno artefato redondo girava pensou o quão idiota era em definir seu futuro em uma atitude tão idiota quanto uma moeda. Mas essa não seria nem a primeira e nem a última vez que ele tomaria esse tipo de atitude. Aquela Libra o acompanhava desde quando a guerra estourou no velho continente e ele, por temer ser convocado a ficar nas fileiras, abandonou tudo que tinha para ir à América. 

Teve vinte e dois dias - tempo da travessia - para pensar o quão tresloucada havia sido essa escolha. Nesses dias todos conheceu gente interessante e interesseira (mais do segundo tipo). Joe era do tipo que gostava de analisar as pessoas afim de conhecer seus defeitos, suas fraquezas. Tinha tido algumas aulas de psicologia quando mais moço, mas a guerra acabou por lhe fazer desistir e entrar no negócio da família. No vigésimo dia de viagem conheceu Joanne, francesa de Calais, beirando os trinta anos, dançarina de cabaré. Passaram alguns anos juntos vagando pela região de Nova York, ela trabalhando de garçonete e ele de taxista. Não era preciso ser um especialista em adivinhar que essa relação não duraria muito. Aliás, tendo durado cinco anos foi uma vitória imensa do acaso. Ela acabou ficando com a filha do casal - Michelle - e era quem pretendia dar uma educação esmerada e leva-la de volta à França, coisa que Joe, como bom britânico, não gostava nem um pouco. 

Depois da separação ele visitou a filha duas ou três vezes, até que ter sido preso os afastou. Joanne e Michelle voltaram para a França, foram para a cidade de Le Havre na Alta Normandia, fora isso ele não sabia mais de nada. Três anos após sair da cadeia - onde cumpriu pena por agredir um passageiro esnobe que o pegou roubando - Joe resolveu sumir da Grande Maçã seguindo para o interior. Vagou por pequenas cidades e acabou em Chicago. Os primeiros anos haviam sido bons, tinha melhorado suas habilidades de punguista na cadeia. Seis anos correram sem grandes percalços. Até o momento em que a moeda foi ao ar: a polícia estava fechando o cerco aos punguistas. Ou ele arriscava ficando aqui ou ele sumia. Michelle estaria hoje com o quê? Nove anos, talvez oito, talvez dez. Um pé apoiado na parede de um beco sujo onde um bêbado dormia, uma velha Libra Britânica e sua sorte rodando no ar. Cada face da moeda que virava o fazia pensar nas mil possibilidades de cada escolha. 

Enfim a moeda começou a cair. Tomou a moeda na palma da mão direita, fechou os olhos colocando a moeda nas costas da mão esquerda. Suspirou pensando cento e cinquenta mil coisas. Em um movimento inventado décadas mais tarde pelo cinema a imagem da mão revelando o objeto redondo ocorreu em câmera lenta. Um sorriso de canto, um toque na aba do chapéu e um agradecimento pela companhia do bêbado e a decisão foi tomada. Assim. Na sorte.

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