domingo, 25 de setembro de 2016

Deseo

Dizem que o corpo tem lá seus desejos e Janaína, do alto dos seus vinte e tantos anos não ousava deixa-los aprisionados. Claro que não teria as atitudes tresloucadas que Helena tinha, mas ainda assim gostava de dar vazão ao que tinha em mente. Ainda que lhe custasse algumas horas que não levariam a lugar nenhum. Aliás, o conceito "lugar nenhum" para ela também era um lugar. Afinal o Coragem morava lá. E se alguém mora em Lugar Nenhum ele existia. Mesmo que fosse num desenho animado.

Havia ouvido falar de alguns amigos/conhecidos de um PUB que tinha um ambiente legal, uma música boa, bebida gelada e não tão cara. Janaína, como boa ouvinte, ouviu a informação e guardou, um dia ela seria útil. E, nessa noite de sábado em que o inverno não tem mais saco de ficar esfriando tudo e o verão ta com preguiça de chegar que essa informação veio a tona. Se arrumou, colocou uma saia, blusa meio aberta, sandália de salto baixo. Se arrumou em menos de dez minutos. Certamente Helena ou qualquer outra de suas amigas, se soubessem que ela havia se aprontado pra sair em menos de dez minutos diriam que ela estava muito básica, porém se as mesmas amigas achassem que ela levou horas se arrumando diriam que ela estava deslumbrante, pronta pra matar. Nunca entendeu essa coisa de mulher. Não que fosse do tipo que não ligava, mas... é. Não se importava tanto com isso.

No elevador que - milagrosamente - estava funcionando pensou pra que reino estava indo dessa vez. Será que nesse lugar haviam príncipes? O taxi estava lhe esperando. Deu um endereço aproximado porque sabia que, se algum carro entrasse naquela rua badalada dificilmente sairia em minutos. Sempre pensou em facilitar a vida de todos e, por isso, sempre foi tida como meio estranha desde a época da escola. Pensou um instante nesse fato e sorriu de canto. Pagou ao homem de meia idade, camisa listrada e uma boina daquelas tipo do Angus Young. Caminhou não mais que dois minutos passando em frente de lanchonetes onde grupos de amigos, grupos de amigas e grupos mistos faziam refeições, riam, bebiam. E Janaína ali, sozinha. Na bolsa nada muito além do celular, cópias dos documentos, dinheiro suficiente para beber alguma coisa e depois voltar de taxi. 

Olhou de soslaio na fachada. O lugar era esse. Não tinha combinado com ninguém. Não gostava dos amigos que tinha a ponto de chama-los para sair. Quer dizer, Helena poderia chamar, mas ela estava no rehab ou já tinha saído? Merda. Por um instante pensou o quanto havia se afastado dela. Sentiu falta. Mas, dizem que notícia ruim chega logo. Então ela devia estar bem. Certo? Certo. Qualquer dia iria ao encontro da amiga para ver o que aconteceu. Deu passagem a um grupo pequeno onde uma moça bonita parecia ser a abelha rainha seguido de zangões machos e fêmeas que entraram cantarolando. Imediatamente ao passar a porta sentiu o cheiro de tabaco e a nuvem de fumaça que pairava na altura do teto. Devia ser o único lugar da cidade onde era permitido o fumo em local fechado. Fez uma careta mas resolveu dar uma chance ao local. Pediu uma gim tônica enquanto pensava no Axl Rose bebendo enquanto tocava November Rain. A música era boa, o barman além de bonito era talentoso com o drink, a localização era boa... sorriu pensando em virar crítica de PUBs, bares e afins.

Logo um tipo mandrake apareceu do seu lado puxando papo. Daqueles típicos que não tem uma boa prosa, corpo normal de lugares como aquele. Tratou de despacha-lo em poucos instantes, disse estar esperando a namorada. Assim que o rapaz se afastou ela riu e pediu mais um drinque. O grupo de abelhas agora estava no meio do salão dançando algum rockzinho antigo que aquela banda tocava. Resolveu assistir a cena. A cada pessoa que passava pela porta uma parte da fumaça era levada pra fora. Numa saídas de fumaça viu que uma fina garoa molhava a rua. Despachou mais um pretendente pensando se teria culhão de ficar com uma garota. Não era impossível, mas também não era plausível. Seus desejos pediam outra coisa. Não uma língua... quer dizer, não só uma língua. Um rapaz entrou em passos galopantes. Decidido foi reto na rainha da colmeia. Focou mais a atenção naquele cortejar. Um, dois minutos depois ele a levou pra fora com um sorriso nos lábios, sentiu na expressão dele a vitória. Merda. Hora de procurar alguém. Um dos zangões não era de se jogar fora e parecia sobrar no que sobrou do enxame.

Desceu do banquinho colocando a comanda na bolsa. Sentiu o efeito do álcool. Não que fosse fraca para tal, mas estava de estômago vazio. Não estava bêbada, mas também não estava sã. Sorriu ao desconhecido. Dançaram. Tentaram se apresentar - em vão, o barulho não era tanto, mas o suficiente para abafar vozes. Passavam das três da manhã quando ela deu a ideia de saírem dali. Em uma sociedade como a atual ainda era relativamente mal visto uma mulher chamar o cara para irem para um lugar mais reservado. E daí? Longe daquela coisa do emponderamento Janaína não reprimia seus desejos. Ele tinha carro, parado logo ali. Enfim conversaram mais um sobre o outro. Paulo. Futuro engenheiro de uma faculdade de uma das inúmeras cidades-satélite da metrópole. Menos mal, não corria o risco de vê-lo tão cedo novamente. Um motel sugeriu ele. Ela sorriu de canto e topou. Por mais que aceitasse e quisesse namorar alguém a sério não negava os desejos que seu corpo tinha.

Com os primeiros raios do sol seu parceiro se ofereceu em leva-la em casa. Janaína, matuta que só ela, indicou um lugar dezenas de quarteirões longe da sua casa. O rapaz se ofereceu em ir até a porta. "O porteiro da manhã é meio fofoqueiro e o síndico não gosta de gente estranha entrando, sabe?". Paulo entendeu e pediu o telefone dela. Ela disse que não lembrava de cabeça pois tinha trocado recentemente e o aparelho na bolsa estava sem bateria. Tudo perfeitamente crível, pois no pós-sexo, enquanto ele tomava um banho, ela tirou a bateria do aparelho. Ele deixou um cartão profissional dele. Nome completo, telefone fixo de onde ele trabalhava - a firma do papai - endereço, site e o escambau. 

Assim que ele se afastou o suficiente ela caminhou até uma padaria. Comprou três pães e oito fatias de presunto enquanto chamava um taxi. Assim que o motorista - sem a boina do Angus Young, sem camisa listrada e idoso - chegou ofereceu um café que ele aceitou prontamente agradecendo a gentileza. Janaína não ligava de ser assim, não morreria por ter pago um café e ele certamente ficaria mais feliz enquanto a cafeína perdurasse em sua corrente sanguínea. Desceu na esquina do seu prédio vendo que aquele domingo seria promissor pra uma tarde vendo filmes velhos e comendo porcarias. Os trabalhos de faculdade que se fodam. Foi quando sentiu o salto no asfalto, um vento frio por baixo da saia, sorriu pro porteiro. Ao entrar no apartamento jogou toda a roupa dentro da máquina de lavar. Durante a tarde batia tudo e estendia, agora seria muita filha-da-putagem com os vizinhos. Mandou uma mensagem para Helena perguntando dela, pedindo desculpas pelo sumiço e se dizendo com saudade. Suspirou se enfiando em um banho demorado pra tirar o cheiro de tabaco dos cabelos e resolveu mudar os planos. Fechou as cortinas, secou o cabelo, checou se sua mensagem tinha resposta - não -, suspirou novamente, espreguiçou, desligou o celular - agora de verdade - e resolveu curtir o domingo da melhor forma: dormindo. A ressaca e pensar em tudo deixa pra depois.

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