sábado, 3 de setembro de 2016

Baile de Máscaras

Estava tudo pronto. Ela escolheu o vestido. A carruagem estava a sua espera na porta do castelo. Agora tudo que tinha de fazer era descer os lances de escada, tomar a carruagem e ir para o baile de máscaras para o qual havia sido convidada. Não sentia vontade de ir, seu desejo era ficar em casa com seus livros, suas estátuas, seus anjos e seus demônios, suas luzes e suas sombras. Mas, naquele dia imbuiu-se de vontades e desejos e foi. 

Com zelo desceu as escadarias tentando evitar sujar a barra do longo vestido que trajava, tentava, inclusive, evitar pisar com seu sapatinho de cristal na barra do vestido e cair. Não usou nem o corrimão para não correr o risco de manchar as brancas luvas que lhe cobriam da ponta dos dedos até dois palmos além do cotovelo braço acima. Sorriu para o homem que baixou a ponte levadiça que ligava o castelo à estrada. O cocheiro aguardava ansiosamente por ela em seu vestido deslumbrante. Em uma das mãos trazia uma pequena máscara, dessas dos antigos carnavais de Venezia, daquelas que cobririam parte do rosto e tinha de ser amparada por uma pequena haste de madeira fina.

A carroça tinha uma bela parelha de cavalos que seguiam de maneira ordenada, rápida, silenciosa e macia pela estrada esburacada. Apesar da presença de outras carroças o tempo como se estivesse para chover afastou outros transeuntes de polular as ruas. Ela via o movimento do mundo ao seu redor. Paisagens passavam por sua janela como se fugissem, se aproximassem e fugissem novamente. Assim foi durante três quartos de hora até que, enfim, ela chegou ao imenso castelo onde seria o tal baile de máscaras. Com pronta ajuda do cocheiro desceu da carruagem agradecendo ao bom homem pelo auxilio. Como ato de bondade deu algumas moedas, ao passo que ele sorriu e foi-se embora com a bela carruagem.

Munida de uma pequena bolsa e da máscara na outra mão ela entrou no grande castelo. Outras pessoas já estavam ali, uma pequena camerata tocava as últimas composições de grandes músicos. Ela, alheia à toda essa novidade, ouvia cada música, cada nota, como se fosse a primeira vez - e talvez o fosse mesmo -, logo alguém a reconheceu e veio ao encontro dela com duas taças do melhor champagne que havia, aquele produzido na França. Nesse instante ela se deixou sorrir e esqueceu, por alguns instantes, que por pouco não quis vir para esse baile. Uma. Duas. Três taças depois já dançava com aristocratas de todas as classes, desde donos dos castelos menores, situados às margens do reino até os donos de castelos maiores que este que estavam. A chuva que se desenhou no trajeto do castelo dela até aqui se dissipou e estrelas brotaram no céu juntamente de uma lua minguante.

Logo a noite virou começo da madrugada. Não tinha de sair a meia noite. Não era um conto-de-fadas onde precisava sair meia noite se não tornar-se-ia gata-borralheira novamente. Entre uma dança e outra chamou um mensageiro, seus pés latejavam, suas pernas estavam cansadas, ao jovem mensagem pediu uma carruagem para voltar para seu castelo. Dançou mais duas valsas recém escritas por um grande compositor de uma região no interior do reino até que o mensageiro veio lhe falar que sua carruagem já a aguardava na porta do castelo. Ela agradeceu, despediu-se do jovem aristocrata que valsava.

O cocheiro da carruagem que havia pedido a aguardava. A barra do vestido não resistiu ao baile de máscaras e estava com pequenas manchas de sujeira em suas barras. As luvas tinham um tom levemente amarelado. A máscara e a pequena bolsa eram as poucas que voltavam para casa em seu estado praticamente original. Dessa vez a carruagem levou menos tempo para o regresso do grande castelo até o castelo dela. Os cavalos pareciam os mesmo da vinda, o cocheiro levemente mais idoso. Não haviam tantas interrupções no trajeto. E estrada estava umidecida, o que a fez pensar que havia chovido. Ou isso ou a neblina. Lembrou-se de quando era menina e residia em um grande castelo próximo do mar sempre tinha uma névoa úmida que vinha do mar e molhava as pedras das muralhas e cobria o céu entre o fim da tarde e o começo da noite. Sorriu com essa lembrança entretendo-se ao que o ouvia o cocheiro dizer, provavelmente para seu auxiliar, sobre como estava perigoso andar por estas terras. Ouviu atentamente a história de como o auxiliar havia sido saqueado dias atrás por dois jovens empunhando suas balestras prontos a disparar a qualquer movimento brusco do jovem e de sua passageira.

Tudo isso soava como uma realidade distante para ela. Misturou essa conversa com lembranças do baile de máscaras. Em pouco menos de dois quartos de hora estava em seu castelo. Agradeceu ao cocheiro lhe dando um pequeno saco de moedas que, seguramente, lhe pagavam o trajeto e sobraria para uma generosa porção de aveia para sua parelha de cavalos. Ao descer caminhou até a beira do fosso que separava seu castelo da estrada ouvindo o coche se afastar rapidamente. Logo um dos soldados responsáveis pela segurança a reconheceu - tomou o cuidado de não manter a máscara ao rosto - e baixou a ponte. Tão logo ela entrou a ponte tornou-se a levantar. "Segurança nunca é demais milady, estão havendo muitos saques por estas regiões sabe?". Ela assentiu com a cabeça dirigindo-se para a escada afim de chegar em seus aposentos. Tomaria um banho demorado. Ao fim do banho - preparado com uma habilidade pouco vista por uma de suas camareiras - ela trajou uma roupa leve. O sono ainda não viria por isso ateu-se a um livro que a muito residia na cabeceira de sua cama. Demoraria anos para lê-lo assim, duas páginas por dia. Mas não importava. A ficção a tirava, por alguns instantes, do seu mundo.

Por alguns instantes pousou o livro sobre a barriga já estando debaixo das cobertas. Janaína sorriu ao ver o quanto tinha feito de imaginação do simples baile que foi. Desceu pela escada porque o elevador estava quebrado. O longo vestido era de um brechó, o sapatinho de cristal uma rasteirinha que havia pago barato. Chamou um carro pelo aplicativo. Foi para um baile que alguém da faculdade a havia convidado e colocado seu nome na lista. Um clube caro, daqueles que ela, por conta própria não entraria jamais. Dançou com filhos de empresários ricos, filhos de vereadores ricos, até mesmo o filho de um grande advogado da cidade a tirou para dançar. Ao fim de algumas horas - e algumas latas de cerveja a mais - estava exausta e tudo que queria era ir embora. Como era tarde da noite pediu ao rapaz que cuidava do estacionamento que chamasse um taxi. O taxista, junto com o filho, conversavam sobre a violência e o assalto que o filho havia sofrido dias atrás frente a dois menores armados. Logo ela chegou ao seu prédio. O porteiro da madrugada demorou dez segundos para abrir o portão para Janaína. "Segurança nunca é demais dona, tem muito assalto por aqui sabe? Ta foda.". Coube a ela concordar "Ta foda.". Cansada ela se arrastou escada acima. Chegou no seu pequeno apartamento. Tomou um banho demorado com aquele shampoo que comprou em uma loja cara. Depois do banho largou o celular na cabeceira e ficou pensando em um baile de máscaras para o qual havia sido convidada, onde teria de escolher o vestido, a máscara...

3 comentários:

Anônimo disse...

Adorei! Me senti nas tuas palavras!

Ivana disse...

Há algo de tão real nessa princesa/borralheira.... que me emociona, pois toda poesia me faz emocionar e quando não o consigo é naqueles tempos em que a consciência do eu não está comigo... e olha que isso acontece bastante.. apesar que tento me amarrar nesta consciência e tento ser mais eu apesar de todas as pedras do caminho... nunca fui a um baile de máscaras, nunca fui princesa, nem Janaína... mas caminhei por cada linha da história como se fora a personagem principal... isso que faz a literatura....a verdadeira literatura.

ઇ‍ઉ disse...

Ela foi resgatada da selva de pedras, trocou as buzinas e sirenes pelo barulho do vento e a arrebentação do mar nas rochas. Largou definitivamente o salto 15 junto ao relógio. Não estava mais acorrentada nem ao tic tac e muito menos ao to toc dos saltos. Agora ela era livre, como seus cabelos ao vento e seus pés enterrados na areia fina. Não tinha luva de seda na mão, nem anel de brilhantes. Ao invés disso, uma xícara de café forte e um cigarro nos dedos. E sem decidir como seria o fim, ela ERA feliz sempre.

Eu sempre disse que não acreditava nessas bobagens de contos de fada, e que minha maior fraqueza seria o sapo. E ai me pego divagando, me perco nos meus próprios contos. E bato o pé firme que tudo que imagino em nada se compara a essas histórias. Mas como sempre fui, sou e serei tão contraditória.

OBS: Esse conto me levou ao show que fui anos atrás. Ai ai...