sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Nem Tudo Muda

Depois de um certo tempo aprendi a ouvir as pessoas que moravam aqui. O vizinho do apartamento a direita tinha um passo rápido, levemente manco do lado direito. No apartamento da esquerda vivia um casal que sempre saía junto. Ela com salto baixo e ele com sapato macio que fazia aquele barulho de tênis novo no piso do corredor. Nos demais apartamentos os sons variavam conforme o dia. No andar de cima uma mulher, provavelmente já com mais idade, ia para a missa todo domingo de manhã. Quando estava voltando de algum lugar a ouvia sair. No andar de baixo havia uma familia onde o pai saía primeiro e depois a mãe levava as crianças para a escola, não saberia precisar a idade de nenhuma dessas pessoas apenas pelos passos. A ruiva certamente saberia isso.

Poderia compor uma música só baseada nos passos das pessoas. Seria interessante. Quem sabe até fizesse algum sucesso. Anotei a ideia para não esquece-la. Esquecer. Essa palavra me fez caminhar até a bolsa jogada no sofá e procurar os cigarros. Ah é, eu tinha parado. Meu vício se tornou outra coisa agora: café. Caminhei até a cozinha e fiz logo uma jarra completa de café. Nicotina da uma abstinência foda. Nada melhor pra superar um vício do que outro.

Estudar música me deixou mais atenta aos sons ao meu redor. Foi assim que ouvi a fechadura sendo destrancada por fora. Não pela chave. Mas por dois arames sobrepostos e um terceiro rodando a tranca. Dois. Quatro. Seis. Oito segundos. Foi o tempo que o invasor levou para abrir minha porta. Ou melhor. A invasora. Bem dizem que quando se pensa em alguem esse alguem aparece. Minha mãe diz isso. Por isso ela evita pensar em qualquer coisa ruim. É uma ideia interessante. Ela não levou nem quatro passos da entrada até a cozinha. Morar nesse apartamento pequeno era uma merda. Mas ao menos tinha dois quartos onde um deles se tornou meu pequeno estúdio, tinha uma visão lateral da Torre Eiffel e ainda estava a minutos do centro de Paris.

Não me movi. Não confiava nessa cafeteira sozinha. Foi assim que Elisa Stone parou no batente da porta da cozinha e perguntou se eu a tinha ouvido. Claro. Completei dizendo que na próxima vez ela podia bater na porta, arrombar assim pode não ser bem visto pelos vizinhos. Obviamente ela disse não ligar para isso. Ofereci um café. Ela preferiu um chá. Britânicos. Só agora vi que ela trazia um bolo pequeno, desses de rotisseria. A embalagem era da melhor rotisseria de Paris. A ruiva estava ficando menos mão de vaca com o passar dos anos. Bom saber que as coisas mudam com o tempo. Eu comecei como uma pintora e agora tocava em uma banda de rock. Ela começou como ladra e agora arrombava portas de artistas indefesas... é, nem tudo muda.

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