sábado, 19 de janeiro de 2013

mata-molinhas

Tinha nascido com os pensamentos tão saltitantes, tão nas nuvens que seu cabelo era reflexo disso: tinha molinhas nos cabelos! Era algo que poucas pessoas tinham, era uma daquelas qualidades que a pessoa tem mas nunca valoriza direito, mesmo com todo mundo dizendo que ela é boa nisso ou naquilo, ela desacredita e não tem dó em "aplainar" as montanhas. Na infancia deviam lhe tirar algum sarro daquelas molinhas, daqueles cachos... tudo soava diferente. Tudo era diferente para ela. Dos pensamentos e sonhos com o céu até a forma como via as nuvens e o shampoo que usava (tinha de ser aquele johnson's baby pra cabelo de molinha, toim, toim).

Passaram-se os anos e ela seguia com aquelas molinhas saltitantes e os pensamentos igualmente esvoaçantes. Os desejos, as vontades cresciam conforme a vida passava. Podia pensar mil, duas mil coisas ao mesmo tempo. E não entendia porque ninguem mais era assim. A vida não era fácil sendo diferente, tendo essas molinhas diferentes de todo mundo. Foi então que algum desses bandidos que se encontram pelas esquinas, crackolandias da vida, lhe mostraram algo que fez ela pensar em fazer algo até então impensavel.

Claro que não era uma escolha fácil. Não podia fazer isso. Mas não conseguia mais suportar aqueles olhares e risos de canto voltados para ela. Foi então que ela se decidiu. Num dia de tempestade cedeu aos convites do "lado negro da força" e topou fazer aquilo... deixou as ondinhas, as molinhas... lisas, escorridas, iguais a de todo mundo. Fez por muitos anos. Ainda faz volte e meia... mas agora, ela pensa toda vez antes de fazer "sei que vai reclamar, que vai me odiar por isso, mas shiuu" e aquele "shiu" calava qualquer reclamação dele que, mesmo sem estar ali, repreendia-a por estar cometendo esse ato inominavel de matar as molinhas.

Mas não importava pra ele se ela estava ou não com as molinhas... era o que ela tinha por dentro que importava, ele sempre adorou mulheres com cachinhos, por isso a birra com as molinhas assassinadas dela. Era aquela birra de fazer bico e fingir que ta de mal só pra ver ela fazer carinha fofa pedindo desculpa e ele franzir a testa, fazer careta e dizer "ok, dessa vez passa... mas que seja a última" e ela sorrir sem deixar ele saber que não vai ser a última (pelo menos não enquanto ela não se livrar desse "vicio" de estrangular molinhas) e que eles seguirem assim. Mesmo distantes fisicamente, mesmo longes, mesmo sem sinal no celular, tinham seu canal particular, tinham sua forma de SEMPRE saberem como o outro estava... e era assim ontem, é assim hoje e será assim amanha. Eram assim o amor entre eles, era a mais profunda tranquilidade e a mais pura pureza.

Um comentário:

ઇ‍ઉ disse...

É engraçado o que temos... até a ausencia das coisas, nos faz ter mais do que aqueles que estão sempre perto. E me sobram suspiros, sorrisos, batimentos cardiacos... muito e tanto e pra sempre... SEMPRE!