quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Raposa

Eram quase três horas da manhã, amanhã ainda era quinta-feira e cá estava Janaína em frente ao computador. Queria algo que lhe fervesse o sangue, algo que lhe desse algum prazer, seja mental, sexual, espiritual... tanto faz. Queria algo diferente essa noite.

Não devia ter bebido.

Era o pensamento que corria por sua mente nesse instante. Em uma aba anônima do navegador adentrou nas salas de bate papo. Se surpreendeu por elas ainda existirem. A principio colocou para espionar. A imensa maioria eram de homens querendo ver outros homens. Bem dizem que a noite todos os gatos são pardos. Apostaria tudo que tinha que boa parte ali eram casados querendo algo diferente das esposas que dormiam no quarto.

Bebeu mais um farto gole.

As salas comuns só tinham homens tarados ou robôs divulgando sites pornográficos decadentes. Ficou saltando entre as várias salas até ter uma espécie de iluminação e ir para uma sala de lésbicas, não que fosse, mas queria algo mais do que uma simples masturbação vazia vendo outra pessoa. Queria algo que lhe deturpasse o pensamento, alguém com um bom papo, não apenas abrir a câmera e praticar algo sem sentimento.

Foi beber mais um gole, alguém lhe chamou.

Havia entrado com o nick mais idiota que sua cabeça alcoolizada conseguiu pensar naquele momento: Raposa Solitária. O mais incrível é que Janaína tinha total consciência de tudo que fazia. Não era daquelas que bebia e esquecia tudo que fez. Ela esquecia das coisas, mas não era por causa da bebida, a imensa maioria eram coisas do seu passado que não fazia a menor questão de lembrar.

Ao por a garrafa na boca lembrou que tinha sido chamada.

Loba Morena. Por um instante pensou em zoofilia ou naqueles documentários sobre a vida animal. Respondeu ao olá com outro olá. Não teve o mesmo "o que procura?" de outras conversas que havia tido naquela madrugada alcoólica. A segunda frase foi uma constatação do clima.

A garrafa foi para o lado.

Por um instante pensou no filo da raposa e dos lobos. Todos eram meio que parentes, abriu uma aba a mais no navegador. Mesma família. A raposa contou a feliz coincidência à loba. Conversaram inúmeras amenidades, trocaram receita de carne de panela, dramas. Claro que a raposa não contou a sua história. Aquela apenas Helena sabia.

A loba também bebia. Propuseram um brinde.

Resolveram abrir a câmera. Janaína não daria a mínima se a loba na verdade, fosse um lobo, não tinha dito nada que a pudesse identificar, não mostraria rosto, muito menos corpo nu. Do outro lado uma vasta cabeleira escura. Era uma mulher mesmo. Janaína sorriu de canto erguendo a garrafa de vodka vagabunda numa altura que pudesse ser capturada pela câmera. A loba fez o mesmo, a garrafa dela era de tequila.

Brindaram e o gole de ambas foi longo.

Conversaram mais. Quando o relógio mostrava além das quatro e meia da manhã as duas já tinham trocado inúmeras intimidades. Parte pela bebida, parte pelo próprio clima. O calor aumentou e obrigaram-se a despirem-se. Moravam na mesma cidade, bairros não muito distantes. Janaína mordiscou o lábio inferior enquanto pensava na imensa quantidade de coisas que poderia fazer.

Deu um gole imenso, secou a garrafa.

A loba comentou. A raposa sorriu descendo a câmera. Trocaram telefones. A vida era uma só. Assim a raposa virou Janaína e a loba Érika. Apesar do horário houve uma ligação para confirmar as identidades. Janaína saiu do bate-papo. Érika fez o mesmo. Ficaram apenas pela voz. Foi pela voz que veio a proposta da loba. Todo aquele álcool no sangue de Janaína a fez concordar. Logo se ouvia no cômodo gemidos baixos que precedeu um grande silêncio.

O calor vaporizou o álcool.

Combinaram de se encontrar no dia seguinte. Local público. O que Janaína estava fazendo? Quando a ligação acabou os primeiros raios de sol ousavam romper as cortinas. A cama completamente bagunçada, o corpo mais suado que o calor havia produzido. Adormeceu com um sorriso fino nos lábios e o sangue borbulhando em suas veias. Meia dúzia de horas depois acordou.

A ressaca veio com uma confirmação do encontro.

Janaína nunca foi daquelas que bebia e esquecia. Pelo contrário, tinha total consciência de tudo que fez. A mensagem enviada cinco minutos atrás. O sol reinava pleno no céu enquanto se arrastou para o banheiro fazer as higienes matinais. Havia um motivo para ter marcado em um shopping: havia comida e segurança. O horário marcado era dali quatro horas. Tomou um banho frio tanto para refrescar quanto fazer pensar melhor. Ao fim do banho enrolou a toalha nos cabelos e deu graças por morar sozinha. Abriu todas as portas do guarda-roupas e pensou em que roupa usaria. Calor. Lugar com ar condicionado. Uma saia longa com bolsos, uma blusa solta, uma sandália baixa, cabelo solto e maquiagem leve. Uma bolsa para levar as chaves e o celular. Pensar no aparelho lhe trouxe a necessidade de uma resposta.

Com um sorriso lascivo nos lábios digitou uma resposta em apenas cinco letras: claro. Na pior das hipóteses assistira qualquer filme no cinema e comeria algo diferente do que tinha em casa. Na melhor das hipóteses comeria algo diferente do que tinha em casa. Pareceu promissor.

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