sábado, 3 de janeiro de 2015

Álibi

Parou no batente da porta do banheiro feminino ajustando o comprimento da saia ao correr da coxa. Uma rápida passada de mãos pelos cabelos, um sorriso fino no canto dos lábios, de soslaio olhou primeiro a direita, depois a esquerda. Não mais do que dois segundos e decidiu seguir pela direita. O som dos saltos no corredor praticamente vazio da faculdade ecoavam e se dissipavam com a mesma facilidade que a água na calçada secava ao sol de verão.

Enquanto caminhava observou que ali não haviam cameras de segurança. Mais uma coisa boa. Não era a primeira vez que fazia aquilo em um banheiro. Muitos pensariam porque um banheiro com tanto espaço isolado e longe de qualquer perigo de ser descoberto. Simples: Sophia amava a sensação de ser pega no flagra. No fundo era o quê ela mais queria. E, no mesmo fundo, era o quê ela menos queria. Afinal não seria nada legal ela, noiva de um dos policiais mais casca-grossa da cidade ser detida no banheiro com outro cara.

Ao contrário do que possa parecer aos meros olhares mortais ela, estudante de direito, achava que aquela ali era a melhor forma de colocar para fora aquele desejo que sempre teve desde quando era adolescente, nessa mesma cidade. Agora, maior de idade, podia realiza-lo sempre que fosse possível e sempre que achasse necessário. Foi vista por alguns professores que fizeram a pergunta óbvia: o quê ela fazia ali. Como uma lebre escapando do bote de uma cascavel disse vir devolver alguns livros. O sistema de empréstimo da biblioteca confirmaria. As cameras naquele corredor também. Não demorou mais do que meia dúzia de minutos no banheiro - tempo completamente aceitavel para uma mulher que vai ao banheiro - e, agora, comprava um pão de queijo na lanchonete mais cara do campus, pois ali tinham cameras. Se, fosse confrontada de ter feito o quê fez, ela tinha um excelente álibi: seus professores.

Irônicamente um dos professores era de direito penal, um de direito da família e a outra a professora de legislação. Conversaram não mais do que dez minutos sobre o ano, sobre as possibilidades que poderiam se abrir pra ela no ano que vem em carater de estágios no fórum. Agradeceria e até falou de pagar uma pizza aos professores se isso acontecesse. Todos riram e alguem falou que poderia ser algo da natureza de propina. Novas risadas. Sophia se despediu desejando para todos boas festas e todas aquelas coisas que todo mundo desejava a todo mundo.

Olhou o relógio. Vai ficar apertado. Acelerou pelas vias internas do campus até a saída. Passou o cartão do estacionamento no horario que queria. Perfeito. Enquanto dirigia pensou em todos os seus passos. Devolver o livro que havia pego semanas antes. Passar pelas cameras. Atrair ele para o banheiro feminino. Fazer o quê tinha que ser feito, sair, comprar um pão de queijo e ir embora. No caminho o bônus dos professores lhe fez somar mais pontos de álibi. No penúltimo sinal antes de chegar à casa de seu noivo policial retocou a maquiagem.

Sem nenhum pudor colocou o carro na garagem. Era um prédio simples, mas mais bem cuidado que Sérgio morava quando se conheceram. Ela veio fazer queixa que uma amiga havia sido assaltada, enquanto a maioria da delegacia fez a "operação-padrão" ele se prontificou em ajudar Sophia. Em parte por ela ser bonita e atraente, em parte por ver nela uma chance de recomeçar que Helena havia, indiretamente, plantado nele.

No elevador ela retocou, novamente, a maquiagem e arrumou a roupa no corpo. Deviam inventar algum método de dirigir um carro que não amassasse a roupa. Checou a hora. Ele havia chegado deviam ter alguns minutos. Com sorte convidaria ele para sair, pegar um cinema. Enquanto andava pelo corredor do quarto andar repassou que ninguem passaria naquele banheiro até amanhã. Ou, com sorte, até segunda-feira. Até lá os odores exalariam e ficaria claro o quê aconteceu ali. Repassou os horarios. Os álibis. Tudo dentro do planejado. Perfeito. Ninguem suspeitaria dela. Nem mesmo seu noivo com seu faro de detetive policial.

Na terça-feira seguinte soube que acharam sua obra. A televisão dizia que a, agora, vitma era suspeito de inúmeros estupros no campus da faculdade, a polícia, por meio de nota, disse não ter a menos suspeita de quem possa ser. Sérgio até questionou à Sophia se ela sabia de algo. Pelo estágio da decomposição alguns peritos dataram como entre quinta-feira e domingo mas que, com o calor que fazia nos últimos dias, não se podia precisar nada. Ela disse não saber nada, que ouvirá falar dos casos de estupro, mas era em outro bloco, distante do dela. Ele, claro, acreditou nela e trocaram de assunto. Faltava decidir onde passariam as férias, se no Rio ou na casa de praia dos pais dela em Angra. Decidiram por Angra. Angra dos Reis.

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