segunda-feira, 4 de março de 2013

Tempestade

Se encarou no espelho vendo que as olheiras pareciam ter fincado raízes em sua face. As marcas de expressão, as rugas que já se desenhavam na testa diziam, gritavam, que seu tempo já estava passando e não teria muito mais tempo depois desse tempo que passa. Sorria com a certeza inevitavel de que depois desse tempo passado quase nada mais a prenderia ali. Era a forma como se afastaria. Quando o tempo passasse juntaria o pouco que tinha e iria em rumo desconhecido. Talvez andares abaixo, talvez milhas distantes, talvez lugar nenhum. Aqui mesmo. Um clarão entrou pela janela. Um raio. Instintivamente contou os segundos afim de ver onde o raio caía. Nove segundos. Três quilometros. Tinha aprendido isso quando ainda era criança e nunca mais havia esquecido. Suspirou deixando sua "cópia mal-feita" presa ao espelho. Apagou as luzes do banheiro e seguiu pra sacada. Se sentou na exata divisa entre a sala e a pequena varanda do apartamento em que morava. Desejou um chá pra espantar esse friozinho que sempre acompanhava as tempestades. Preferiu ficar ali. Inerte. Sem expressão, tentando não pensar em nada. Mas até pensar em nada é pensar, não é? E o tempo ia se findando. Se firmando. A chuva perdurou algumas horas. Assistiu quase tudo. Quem sabe ao fim dela não tomasse o impulso necessário? Engatinhou até o tapete e se deixou deitar ali. E ali ficou. Adormeceu coberta pelos clarões dos raios e os sons e cheiros que só uma boa tempestade pode causar.

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